ABC Heart Fail Cardiomyop 2023; 3(1): e20230022

Miocardiopatias: Ontem, Hoje e Amanhã

Charles Mady, Diane Xavier de Ávila ORCID logo , Vagner Madrini Junior ORCID logo , Evandro Tinoco Mesquita ORCID logo

DOI: 10.36660/abchf.20230022

O interesse sobre as agressões ao miocárdio é muito antigo, mas apenas nas últimas décadas houve um razoável avanço em seu maior conhecimento. Os antigos limitavam-se às observações grosseiras sobre morfologia e fisiologia do sistema circulatório, mas com interesse especial direcionado ao coração. Textos em escritos cuneiformes provenientes da Suméria, o primeiro povo a ser considerado civilizado na história da humanidade, outros provenientes da biblioteca de Assurbanipal, com suas inscrições em lajotas de barro, descoberta intacta sob as areias em Nínive, hieróglifos egípcios em pedra e tinta, e escritos realizados pelos maias, aliás o único povo da América a deixar relatos em seu alfabeto, e até em livros, alguns dos quais temos apenas cópias (os invasores espanhóis se incumbiram em destruir e queimar vários originais), demonstram o interesse antigo sobre anatomia humana e o coração. Com as limitações de suas épocas, demonstraram a curiosidade sobre nossa constituição, atingindo níveis descritivos acadêmicos com Leonardo da Vinci. A evolução recente nos trouxe novos conhecimentos sobre etiopatogenia e fisiopatologia das doenças que acometem esse músculo, mas não suficientes para gerar avanços terapêuticos maiores. Há razões para isso.

Como essas doenças são predominantemente de tratamento clínico, a cardiologia viveu as últimas décadas empenhada em conhecer e divulgar temas tidos como mais relevantes nas áreas cirúrgicas, como as doenças coronárias, congênitas e valvares, que eram e são submetidas a tratamentos muito desenvolvidos em passado recente, com resultados mais imediatos. As indústrias de medicamentos e equipamentos entenderam as enormes portas abertas a seus interesses, participando ativamente em pesquisas associadas às academias. Não há dúvidas que a evolução nesses campos foi enorme, com fantásticos interesses materiais, concentrando pesquisas, simpósios, congressos e publicações nessas temáticas de forma maciça. Os espaços para as miocardiopatias eram muito limitados, por quase total falta de interesse, e a terapêutica nesses campos limitava-se aos digitálicos e diuréticos, indicados para a insuficiência cardíaca, e não para as doenças de base. Era um mundo à parte dentro da cardiologia. Demorou muito para que novas drogas passassem a ser estudadas e lançadas no mercado, mas apenas para o tratamento da disfunção como síndrome. Houve um atraso muito grande para se criar laboratórios para aumentar a compreensão dos fatores etiológicos das agressões miocárdicas, na tentativa de compreender, diminuir, ou eliminar a letalidade dessas doenças, muitas das quais ainda pouco conhecidas, e tentar desenvolver tratamentos específicos para cada causa. Infelizmente, ainda estamos muito longe disso. Como exemplo, cito a antiga e atual miocardiopatia chagásica. Tratamos as consequências, a insuficiência cardíaca, tromboembolismos e arritmias, mas até hoje não temos tratamento específico realmente eficaz, em uma sociedade que tem parte significativa da população infectada. Mesmo a prevenção, que é de pouco custo, por utilizar simplesmente inseticidas, é realizada de forma modesta. Convencionou-se utilizar a terminologia “doença de pobre” para justificar esse desinteresse. Entretanto, esse atraso gera um custo social enorme na área de saúde.

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Miocardiopatias: Ontem, Hoje e Amanhã

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